17.8.13

PARA LER E RELECTIR!!!

Hoje o capitalismo precisa do Estado para sobreviver e de um Estado cada vez mais forte.

A crise económica é também um vazio de valores sociais. Esta é um das ideias que fica ao falarmos com Raquel Varela a propósito da edição de “A Segurança Social é Sustentável”. Sem “papas na língua”, a autora deste pertinente livro e coordenadora do grupo de estudos de trabalho e dos conflitos sociais do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa faz uma análise profunda à atual situação económica e lança algumas questões pertinentes. Que a aula de economia comece!
Numa época verdadeiramente niilista face ao crescimento da economia global foi, de certa forma, a esperança da recuperação financeira que a fez pensar este livro?
A propaganda governativa tem difundido ideias falsas, sem sustentabilidade nem seriedade, os políticos fingem ignorar os trabalhos feitos na academia sobre a realidade social – há centenas de investigadores nas nossas universidades todos os dias no país a trabalhar sobre economia e sociedade, mas ouvimos os media dizer sempre o mesmo e ouvir sempre os mesmos. Havia que trazer os académicos para este debate em termos públicos, com mais presença. Essa era uma urgência, trazer a ciência e sair do senso comum.
Trata-se de expor um conjunto de logros e mistificações que têm sido usados como verdade absoluta e inquestionável – não é verdade que haja idosos a mais para o número de trabalhadores, o país não deixou de produzir (há mais produção e mais concentração de riqueza; o número de trabalhadores no sector secundário quase não caiu desde o 25 de abril, o rendimento mínimo, o RSI, é uma benesse mas também é um conselho do Banco Mundial para evitar situações revolucionárias ou disruptivas do processo de acumulação). Estes são alguns exemplos do retrato que damos do país para além do senso comum.
Pretendia-se reflectir sobre as políticas sociais, económicas e financeiras, que prejudicam a grande maioria das pessoas, e mobilizar os académicos que têm um trabalho amplo sobre estes temas, sério e reflectido.
Mas não se tratou, nem se trata, de esperança na recuperação de um modelo económico que só traz desesperança. O trauma dos horrores estalinistas não me fez em nada acreditar que o capitalismo é o fim da história. Há história para além do gulag e de Guantánamo! Não há recuperação económica no moderno modo de produção capitalista sem barbárie social. E isso é independente de termos gestores mais ou menos corruptos.
Creio que estamos a viver uma crise de 29 adiada. Creio que esta crise não é uma crise financeira nem de subprime, mas uma crise cíclica que começa na produção industrial norte-americana e tem o seu sintoma mais evidente ao nível financeiro. Não confundo a pneumonia com a febre. A pneumonia é a contradição entre a produção para as necessidades e o lucro; a febre, o colapso bolsista que significa a desvalorização da propriedade, em virtude da deflação dos preços na produção. Vou dizê-lo sem diplomacia, quem não percebe a lei do valor enunciada n’ O Capitalde Marx não percebe nada da sociedade onde vive. Pode tentar, mas nunca vai dizer nada que não seja superficial. E a prova disso é que 99% dos economistas acha que o dinheiro produz dinheiro. Falam como se as bolsas tivessem vida própria, e mesmo os críticos daquilo a que chama neoliberalismo acham que vivemos numa economia de casino. E a minha pergunta é: se vivemos numa economia dominada pelo sector financeiro, de casino, por que é que as ajudas financeiras não valem nada sem o salário das pessoas? O que aconteceu em 2008 foi uma ajuda maciça ao sector financeiro e 3 meses depois olharam para as populações e disseram: agora são vocês, com as vossas reformas e salários, a pagar! Porque o que provou esta crise é que a produção, o salário e o trabalho são determinantes, o resto, os títulos e as acções, sem isto, sem trabalho, são apenas papel.
Explorámos esta hipótese, de uma crise de 29 em gestação, no livro Quem Paga o Estado Social em Portugal? (Bertrand, 2012). É uma crise do capitalismo, como haverá outra (maior ou não) daqui a 18, 20 meses? São crises cíclicas.
E das quais «sair da crise», nos marcos do modo de acumulação baseado em relações mercantis (capitalista), só é possível diminuindo o salário, aumentando a jornada de trabalho, intensificando as tarefas, numa palavra, colocar 1 trabalhador a fazer o trabalho de 2 ou 3 e despedir os restantes. O que vulgarmente se chama na televisão «descer o custo unitário do trabalho», que tem como contrapartida, nunca dita, «aumentar a rentabilidade do capital investido».
Por outro lado, este livro também surge de uma pergunta que me inquieta e inquieta os autores, embora não tenhamos todos a mesma resposta. Por que é que, numa fase de regressão social, uma população tão escolarizada e urbanizada, e sem a válvula de escape da emigração a funcionar como nos anos 60, como é que com estas condições não há uma revolta social, uma situação revolucionária? A minha primeira resposta é porque há quase 1 milhão de pessoas que está a receber algum tipo de assistência social, uma generalização da «sopa dos pobres» que tem um efeito amortecedor dos conflitos sociais. E quem paga isso é a segurança social. Quem gere isso é o Estado.
Quando digo que estamos em algo mais próximo a uma crise de 29 do que por exemplo a uma crise como foi a de 1973 (chamada vulgarmente por crise do choque petrolífero) digo-o porque creio que apesar de toda a destruição de capital (fecho de empresas, com recessão e aumento do desemprego) as taxas de lucro não se recuperam facilmente e as taxas de crescimento são anémicas. Isto é, podemos estar numa bifurcação histórica, em que não é mais possível o capital crescer sem espalhar a miséria e a barbárie social agora mesmo entre os sectores médios dos países centrais, isto é, na Europa. Na Alemanha e na França já se fala dos working poor, pessoas cujo único trabalho não lhes permite viver, precisam de acumular com outro trabalho ou parcialmente depender da assistência social (caridade organizada pelo Estado).
Será a análise histórica uma das melhores formas de compreender a evolução da própria economia? O Estado é, por norma, um bom aluno?
Essa é uma pergunta para dias (risos).
Desde logo quero dizer-lhe que acho a metáfora do bom aluno perigosa. Tenta fazer crer que os governantes não têm responsabilidade política nem poder decisório, como se fossem entidades passivas e subservientes, quase como se os infantilizassem.
A história mostra, claramente, que a economia não é algo natural, e sim o resultado contraditório da cooperação entre os homens. O capitalismo, portanto, foi o resultado, entre outros factores, da própria acção do Estado que, pela força e pelas leis, criou as condições de uma sociedade de mercado, como Marx bem demonstrou no capítulo XXIV d’ O Capital. Assim, pode-se dizer que o Estado foi, desde os primórdios do capitalismo, um sujeito importante na trama do mercado, o que expõe claramente o facto de que a ideia de um Estado não-interventor na economia (liberalismo e neoliberalismo) sempre foi uma falácia, uma ideologia pueril.
Quando comecei a escrever o artigo que relaciona a gestão da força de trabalho com a segurança social fui ao século XIX à procura da origem da segurança social. Nunca tento compreender um assunto sem procurar o seu, chamemos-lhe assim, antepassado. O que eu queria perceber era a origem da segurança social, mas acabei a perceber que a segurança social tem sido o fundo para precarizar os trabalhadores e que esse papel tem sido levado a cabo pelo Estado que não deixa de intervir na economia, pelo contrário, é cada vez menos neoliberal (conceito por isso errado) e mais interventivo (diria algo como um keynesianismo conservador).
O que encontrei foi desde logo a distinção entre assistência, protecção e segurança social. No século XIX existe, para a maior parte da população, uma assistência e não uma protecção social, nem sequer uma segurança social. A segurança social, isto é, segurança para todos, universal, com base na ideia da riqueza colectiva, nasce em 1974.
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