8.7.10

ALBERTO MANGUEL

"O que está a perder terreno é a inteligência. Estamos a tornar-nos mais estúpidos porque vivemos numa sociedade na qual temos de ser consumidores para que essa sociedade sobreviva. E para ser consumidor, é preciso ser estúpido, porque uma pessoa inteligente nunca gastaria 300 euros num par de calças de ganga rasgadas. É preciso ser mesmo estúpido para isso".

"Ora, um dos grandes problemas actuais dos bibliotecários é que os jovens que chegam às bibliotecas, e que estão habituados a utilizar a Internet para fazer uma espécie de colagem de informação, não sabem ler. Não sabem percorrer um texto para extrair aquilo que precisam, repensá-lo, dizê-lo com as suas próprias palavras, comentá-lo, associá-lo ou resumi-lo - e sobretudo, memorizá-lo -, actividades que fazem parte da leitura enquanto acto criativo. Estão habituados à ideia de que, como isso está lá e está acessível, já é deles. Não é assim."

"A escola não tem culpa, é a nossa sociedade que é culpada. A escola, a universidade, deveriam ser o lugar onde a imaginação tem campo livre, onde se aprende a pensar, a reflectir, sem qualquer meta. Mas isso é algo que estamos a eliminar em todo o mundo. Estamos a transformar os centros de ensino em centros de treino. Estamos a criar escravos. Somos a primeira sociedade que entrega os seus filhos à escravidão, sem qualquer sentimento de culpa. Nesses centros de aprendizagem, estamos a criar seres humanos que não confiam nas suas próprias capacidades e que começam a acreditar que o seu único objectivo na vida é arranjar trabalho para conseguir sobreviver até chegar à reforma - que também já lhes estão a tirar. O que estamos a fazer é horrível. Não tem nada a ver com os valores da Internet, com a competência do professor, faz tudo parte de um conjunto. Somos culpados enquanto sociedade".

"Os grandes clássicos não foram escolhidos por ninguém; não há um comité que decide que Homero é importante. O que houve foram cem gerações de leitores que disseram que esse livro é importante. É isso que define o clássico, é a obra que não se esgota junto dos seus leitores. E isso continua a ser importante, embora muitos leitores - e muita gente - não o reconheçam. As crianças têm uma imaginação activa, uma inteligência activa. Querem aprender a pensar. Na Idade Média, amarrava-se as crianças ao berço para as imobilizar. Hoje, amarramos a mente das crianças exactamente da mesma forma. Se me confiarem uma turma de crianças, comprometo-me a fazer com que elas leiam Camões com muitíssimo entusiasmo. É preciso dizer-lhes que são inteligentes e que vão conseguir ler essa obra. As crianças adoram palavras complicadas, termos difíceis, histórias onde não se percebe tudo. Mas a indústria não quer isso, quer tornar as coisas mais simples - e então fazem resumos, simplificam, publicam coisas idiotas para crianças e acabam por não publicar nada. Apenas jogos de vídeo.A nova geração continua a ter gosto pela leitura. Para o ser humano, o instinto de sobrevivência não se resume à necessidade de comer e beber; também inclui a necessidade de pensar. E isso é verdade seja onde for - aconteceu nos campos de concentração, acontece nas favelas mais pobres, acontece nas situações mais extremas. Continuamos a pensar, a criar, a interrogarmo-nos. E temos de lutar por isso. Não somos cegos; podemos dizer que não".

Continuação da entrevista aqui:http://ipsilon.publico.pt/livros/entrevista.aspx?id=260417